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Crítica: Era Uma Vez em…Hollywood – ★★★★★ (2019)

Um filme reconhecido tanto pelo seu nome quanto por ser o nono trabalho do diretor Quentin Tarantino, Era Uma Vez em…Hollywood é um filme que vem marcar a fase mais madura do diretor, que transborda conhecimentos sobre cinema e metalinguagem no longa. Os personagens do filme são pessoas que trabalham por detrás das câmeras, como atores, dublês e diretores e por isso esse é um filme que fala sobre fazer filmes e viver do cinema, uma realidade que pode ser estranha para a maioria de nós, mas cuja estranheza se dissipa quando entramos em contato com a intimidade dos personagens do longa. 

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Remontando à uma Hollywood dos anos 60, seus sucessos western e os primórdios da contracultura hippie, as ambientações são reproduzidas com primor: os bastidores dos filmes antigos, ranchos de gravação e até mesmo cenários de cenários de filmes (o longa tem muita metalinguagem, então isso se torna natural rapidamente). Para nós que não vivemos essa realidade, a Hollywood sessentista parece uma cidade viva que exala à produção e consumo cultural, mesmo tendo seus extremos sociais: de um lado atores e diretores renomados e ricos se reúnem em festas em mansões luxuosas e consomem drogas exóticas, enquanto de outro jovens pobres ou sem lar vivem  em ranchos abandonados com seus companheiros de grupos, mais especificamente os hippies, consumindo sua cultura e músicas que pregam ideais como paz e amor, levantando uma luta ideológica contra o sistema e consumindo drogas baratas ou orgânicas e alguns deles, liderados pelo cativante líder Charles Manson, famoso por liderar uma espécie de seita responsável pela morte, dentre outras, da famosa atriz estadunidense Sharon Tate (interpretada por Margot Robbie).

O contexto histórico está posto. As tramas e arcos dos personagens tem como pano de fundo estes fatos. Entretanto, no longa, Tarantino mistura a ficção e os fatos, artifício já conhecido pelos fãs do diretor. Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt) são personagens fictícios dessa Hollywood viva; Rick é um ator que, sentindo nas costas o peso da idade, está passando por uma crise em sua carreira, parte dela motivada pelo vício em álcool. Para sua sorte, Cliff, seu dublê, é seu parceiro fiel para todas as horas, um psicólogo para momentos tristes, um guarda costas para momentos barra pesada, um mecânico… enfim, Cliff é um leal escudeiro cuja reputação o precede por esconder segredos sombrios de seu passado que ninguém tem coragem de desenterrar. Rick convém ser vizinho da atriz Sharon Tate e do diretor Roman Polanski, nomes de alta patente da mesma indústria cinematográfica que parece estar chutando a bunda de Rick. 

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Entre cenas que parecem não ter ligação entre si e arcos que desenvolvem muito bem seus personagens, Tarantino consegue mais uma vez criar uma teia entre histórias independentes que levam a uma mesma conclusão. Rick tem seu arco focado em sua aparente degradação no papel de ator; DiCaprio faz um excelente trabalho ao entregar um personagem cuja vaidade e covardia são seus pontos fracos, mas que consegue se superar quando alguém está disposto a inflar seu ego. Para as tarefas que não é capaz de fazer, conta com a ajuda do fiel amigo bom vivant Cliff, um homem que parece não ter medo de nada e sempre estar disposto a sujar as mãos se necessário. Seus caminhos se cruzam com Sharon muito sutilmente, a excluir uma cena muito importante que revelaria o final, e se esse distanciamento ajuda a construir a lacuna entre atores de distintas classes hollywoodianas, imagine o abismo entre a sociedade alta e os jovens hippies

Do lado dos jovens hippies, Pussycat (todos têm apelidos que remetem ao movimento psicodélico) é responsável por introduzir a nós e Cliff em seu mundo de exclusão social e cultural. A organização do grupo hippie existe, mas vemos como esta é precária. O líder Charles Manson aparece algumas vezes ao redor da mansão Polanski e é citado pelos jovens seguidores como uma figura quase profética. Cliff quase é capaz de antever as tragédias que se seguiriam e o clima de tensão nos prepara sempre para a chegada de alguma tragédia fatal. Nessas horas, apenas desejamos que Cliff esteja no caminho.

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Era Uma Vez em… Hollywood é um filme que esbanja talentos. Os nomes mais famosos são os mais memoráveis, mas também existem pérolas, como a participação da eterna estrela mirim Dakota Fanning numa cena de grande tensão ao lado de Pitt; e também um show à parte da outra atriz (realmente) mirim Julia Butters, num diálogo memorável com DiCaprio.

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Tarantino também esbanja seu talento e conhecimento sobre o mundo do cinema, abusa da metalinguagem, faz referência ao cinema western com reproduções fiéis de cenas marcantes, dimensões de tela reduzidas e o preto e branco. O longa parece começar de nenhum lugar para chegar a lugar algum, mas justamente esse efeito de aleatoriedade entre os arcos que se cruzam em um momento crucial faz desse filme algo tão diferente, sem perder seu ritmo dinâmico, ora de bom humor, ora de suspense. 

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Algumas críticas foram feitas ao filme e mais especificamente ao diretor, como por exemplo o fato de o longa ser o mais “fora da curva” da carreira de Tarantino pela falta dos longos e ricos diálogos e das excessivas cenas de violência gratuita; seu desenvolvimento arrastado; a cena onde Cliff humilha com seus conhecimentos e habilidades de rua a lenda do cinema Bruce Lee; e a personagem Sharon ter recebido poucas falas. Apesar da pegada experimental que Tarantino tenta imprimir em sua fase mais madura, o diretor acertou em cheio em suas experimentações com um filme muito balanceado e personagens cativantes. Algumas dessas críticas se referem justamente às paródias contidas no longa, uma vez que expõe também os podres e as entranhas da indústria do cinema e exalta a futilidade em alguns personagens. A homenagem à Sharon Tate é eternizada mesmo que a personagem tenha poucos diálogos;o longa nos permite situá-la dentro do microverso hollywoodiano, e é brilhantemente interpretada por Robbie, principalmente em cenas que a atriz se comunica com expressões faciais e convive com uma bem vinda solidão fora dos holofotes. 

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O nono filme de Tarantino pode parecer banal para nós e muito arrastado, mas parte disso se deve ao fato de que muitos acabaram não entendendo seu contexto histórico que precede um dos assassinatos mais marcantes da história dos Estados Unidos e do mundo do cinema; Sharon Tate, a jovem e brilhante atriz  foi brutalmente assassinada pelos seguidores de Charles Manson ainda grávida de nove meses aos 26 anos.  Uma verdadeira ferida na história do cinema que aqui ganha uma nova perspectiva, muito bem tratada por um diretor que prova que conhece da história do cinema, enriquecendo o contexto que pode parecer aleatório, mas que conclui com um ato épico e catártico. Era Uma Vez em…Hollywood é um ode memorável de Tarantino à sétima arte. 

Sobre Emerson Dutra

Um psicólogo que tem o mundo nerd como seu guarda roupa para atravessar para uma Nárnia que é mais divertida, interessante e justa que nossa realidade compartilhada.

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