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Crítica: Them – ★★☆☆☆ (2021)

Filmes do gênero “torture porn” geralmente apostam em um horror estético e perverso como seu prato principal, e não costumam ter uma trama interessante ou que some em algo para seus telespectadores, sendo necessário apenas que a trama sustente minimamente as cenas grotescas. Em Them, antologia de suspense psicológico da Amazon, existe uma espécie de “racism porn“, uma apreciação quase estética e sensorial de cenas de racismo e violências motivadas por racismo, que acontecem do começo ao fim da série, tornando-a uma das piores séries que já vi na vida.

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Atualmente existe uma pequena onda de excelentes obras que abordam o tema do racismo dentro do gênero de horror ou suspense, como são os casos das produções de Jordan Peele, um dos diretores mais promissores do gênero na atualidade. De fato, a temática é muito rica e pode ser um ótimo veículo de conscientização sobre uma das maiores manchas da história que até hoje tem seus efeitos nefastos em nossa sociedade. Them, de Little Marvin, pode até ter sido inspirada nessa onda de filmes incríveis, mas acertou numa exposição excessiva de cenas grotescas de racismo, com uma cobertura insossa de sobrenatural.

Abordando um fenômeno chamado Segunda Grande Migração Estadunidense, um movimento de mudança das famílias negras do Sul para outras regiões dos Estados Unidos em busca de melhores condições de vida, a trama é focada na família Emory, composta por um casal e duas filhas, que acabaram de se mudar para um bairro habitado apenas por brancos nada dispostos a conviver com os migrantes pelo simples fato de serem negros. É importante ressaltar que na época o racismo e as políticas de segregação vigoravam no país, de forma que nenhuma manifestação racista era entendida como algo prejudicial, e sim, natural.  A família Emory carrega um grande trauma passado, já motivado por manifestações racistas, e que agora toma vias de expressão sobrenaturais, juntamente com alguns outros “fantasmas” sem grande propósito.

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Do começo ao fim da temporada, que aborda os 10 primeiros dias da família Emory em Los Angeles, vivendo num bairro apenas de brancos, vemos nossos protagonistas cuidando de suas vidas de maneira individual e também em família. Entretanto, pouco enredo é desenvolvido e todas as situações pelas quais passam são situações diversas de racismo. Um homem vai ao trabalho e é vítima de racismo. Uma criança vai à escola e é alvo de zombarias racistas. Isso acontece do começo ao fim em inúmeras situações diferentes, causando uma tensão e angústias crescentes que deixam a série intragável. Some-se a isso o fato de que o ápice da série é quando essas manifestações passam às vias de fato e viram violência de extremo mau gosto.

E quando esses protagonistas voltam para sua casa, estão tão afetados pelas violências morais que as tarefas mais cotidianas como comer um pedaço de torta ou escovar os dentes se tornam mais uma vez longas sequências de tensão gratuita. As manifestações de racismo vão desde insultos e exclusão, até tortura, estupro e morte. Não tenho dúvidas que todas essas manifestações aconteceram e acontecem até hoje e produções artísticas têm o poder (quiçá o dever) de abordá-las. Mas o que acontece aqui são experiências que parecem esgotar a capacidade sensorial, uma exibição de diversas e infames formas de violência em 10 episódios. 

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O tema racismo parece ter sido transformado em entretenimento, pois nada justifica assistir a 10 episódios de intensa violência e tensão. O primeiro episódio é um show de produção e atuação, além da ambientação muito fiel aos anos 50 e me deixou curioso pelo que estava por vir. Os protagonistas são interpretados por excelentes atores, nisso a série é um exemplo. Mas a empolgação que senti não durou muito mais. Com temas tão relevantes para serem abordados (para além do racismo, o machismo e o luto, por exemplo) a série fica às voltas em tramas onde o racismo vai crescendo gradualmente, sem inflar as discussões com lições ou argumentos pertinentes. Ao contrário, cada personagem parece ter seu próprio fantasma; sim, existem fantasmas que talvez foram introduzidos com o propósito de representar traumas de cada membro da família, mas também acabaram por afastar a trama de uma discussão mais rica. Nesse aspecto, o horror pode ser comparado ao de American Horror Story, mas pensar que a simples mudança de retirar a trama sobrenatural teria deixado a série mais madura e relevante é uma pena.

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A antologia da Amazon fica perdida em meio a nomes de peso como Lovecraft Country e as produções cinematográficas de Jordan Peele. Você com certeza saberá identificar diferentes manifestações de racismo, até mesmo as sutis, após assistir a série, mas nada muito além disso. Junto à enorme angústia que a série proporciona, há uma grande dose de indignação pelos atos racistas. Tudo isso é canalizado a lugar nenhum e permanece sem simbolização, sem significado na tão pertinente discussão racial da atualidade. O que é proposto não é alcançado e apenas temos uma exibição luxuosa de cenas terríveis de se assistir.

https://www.youtube.com/watch?v=DV8zPd2LT38

Sobre Emerson Dutra

Um psicólogo que tem o mundo nerd como seu guarda roupa para atravessar para uma Nárnia que é mais divertida, interessante e justa que nossa realidade compartilhada.

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