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Epidemia, vampiros e uma epidemia de vampiros
Jonathan Reid, um médico recém-chegado das linhas de batalha da Primeira Guerra Mundial e conhecido por um método inovador de transfusão de sangue, está de volta à Inglaterra numa fase infame da história, a epidemia de gripe espanhola. As ruas estão vazias, os hospitais lotados e os distritos estão sofrendo com a rápida evolução da doença. Sua ajuda como médico é essencial para fortalecer o corpo de médicos a curar tantos pacientes acometidos pela doença.
Não bastasse a epidemia da gripe, uma outra epidemia chega para tomar conta da cidade. Vampiros estão à espreita por toda a parte e não há segurança para a população. A cada ataque aos cidadãos indefesos, mais uma criatura surge, pois as vítimas são transformadas. Cabe também aos cientistas locais compreender a origem da epidemia vampiresca e encontrar a cura para a mesma.
Jonathan, assim que desembarca na cidade é atacado por uma dessas criaturas. Transformado em vampiro e sem controle de sua sede por sangue, ataca justamente a pessoa que mais amava no mundo, que estava à espera de sua chegada: sua irmã. Com uma culpa avassaladora e uma urgência por respostas, a partir de agora todas as decisões tomadas no game serão de cunho moral; um médico salvador ou um vampiro sanguinário, você poderá ser qualquer um dos dois, dependendo apenas de como quer passar pelo enredo de Vampyr.
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Escolhas morais por toda a parte
A produtora dos sucessos Life Is Strange e Remember Me, DontNod, agora nos entrega um RPG de mundo semi aberto carregado de densos e longos diálogos que ajudam a construir a pegada investigativa da trama e também ambientar o jogador dentro de uma Inglaterra duplamente ameaçada por uma gripe e criaturas mortais. A experiência que Vampyr oferece foi de longe a mais rica dentro do gênero “vampiro” que já tive. Vários documentos fazendo menções a acontecimentos reais, registros genealógicos de sub espécies, e até mesmo uma sociedade de vampiros sobreviventes que sobrevivem nos esgotos da cidade – além de vários outros artifícios que sustentam amplamente a proposta de um cientista compreendendo a existência das criaturas – criam uma mitologia vampírica riquíssima que ficou em minha memória como referência no assunto.
Dessa forma, a DontNod manda bem mais uma vez na narrativa, mesmo que você tenha a opção de simplesmente ignorar todos os diálogos para curtir mais a ação do jogo (embora isso elimine muitas das missões secundárias). Existem inúmeros NPCs que você conhece durante a trama e cada um deles carrega segredos pessoais que podem ser descoberta através de pistas no cenário ou através de diálogos com outros NPCs (a conhecida fofoca). Ao descobrir esses segredos, novos diálogos e missões secundárias são desbloqueados, fazendo com que desbloqueie uma árvore das relações que cada cidadão tem dentro de seu distrito.
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Todas essas possibilidades de diálogos tem uma grande função no jogo e aqui entra a grande particularidade que cada jogador coloca em sua experiência. Caso queira fazer de Jonathan um vilão e desfrutar de seu poder e força superiores enquanto vampiro, você poderá abraçar (termo menos agressivo usado no game para o ato de sugar o sangue) qualquer um desses NPC’s, causando sua morte. Essa opção é um jeito mais fácil de aumentar suas habilidades, mas matar um cidadão antes de desbloquear todos os seus diálogos pode encurtar sua experiência no jogo, pois poderá nunca conhecer as missões secundárias dadas por ele. É importante ressaltar que quanto mais saudável um cidadão está, melhor é a qualidade de seu sangue. Portanto, mesmo se você quiser passar pela aventura como um vampiro matador, cuide da saúde dos cidadãos. Cada um deles pode desenvolver diferentes doenças, cuja cura você aprenderá ao decorrer da história.
Mas se você (assim como eu) decidir “abraçar” quanto menos cidadãos possível, estará escolhendo o jeito mais demorado de upar suas habilidades, mas poderá ter uma experiência muito mais longa no game, podendo desbloquear todos os diálogos e chegando a até 80 horas de jogo. Mas a tentação é enorme, principalmente porque os combates acabam ficando mais difíceis sem ter suas habilidades upadas mais rapidamente.
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Matar cidadãos tem outra consequência: a cidade é dividida em vários distritos e cada um deles tem um “nível de saúde”, indicado pela saúde dos seus habitantes, que está em suas mãos. Mais uma vez a decisão moral está nas mãos do jogador, podendo fazer com que a raça de vampiros tome as ruas e o poder da cidade, ou protegendo seus habitantes e curando a todos. Aqui está um enorme diferencial do jogo, essas escolhas fazem com que sutilmente seu caminho seja mudado e você irá perceber as consequências de seus atos mais cedo ou mais tarde.
Ações e sequências como pontos fracos
Se por um lado a trama do jogo é muito bem sustentada por uma enorme quantidade de diálogos e personagens com histórias entrelaçadas e sua ambientação é impecável, por outro lado os momentos e mecânicas de ação deixam a desejar. Os combates (que claramente lembra os combates de Souls, apresentando barras de vida e de stamina que limitam o uso de ataques, além de uma barra de sangue que permite que use seus poderes de vampiro) são sustentados pelo uso de diversas armas de uma ou duas mãos e também por poderes de mecânicas básicas, como miasmas que atacam à distância ou saindo do chão, mas não apresentam necessidade de elaboração de estratégias diferenciadas e acabam ficando repetitivos rapidamente após você dominar suas habilidades. As lutas acabam ou sendo muito frustrantes pela falta das habilidades mais fortes ou excessivamente fáceis, passando longe de ser o ponto alto do game.
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O jogo também é repleto de quebras de sequências de ação e do sentimento de urgência, uma vez que num minuto você está enfrentando uma pequena horda de vampiros no meio da rua e ao virar a esquina um cidadão despreocupado espera na calçada pelos longos diálogos. Além disso, falta a sensação de peso e rebote nos movimentos de ataque, demonstrando o quanto as lutas são superficiais. Zerei o game sem conhecer nem metade das diversas armas disponíveis, uma vez que não há tal necessidade, porque qualquer uma serve do início ao fim (se bem melhorada).
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No meio do enredo, uma história de romance proibido e secreto irá se desenvolver. Infelizmente, o romance não tem química alguma, dando a sensação de não ter um “porquê-de-ser” e seu objetivo no enredo também é completamente substituível por alguma outra relação mais crível e envolvente. A narrativa, ponto forte e central do jogo, poderia dar cabo de sanar tais falhas, mas a sensação que fica é de que faltou tempo útil para dar esses retoques e adicionar mais algumas camadas ao enredo- camadas que fariam de uma história rica ainda mais rica, sem furos frustantes ou diálogos que ficam andando em círculos sobre si mesmos, impedindo a sensação de progresso na trama.
Afinal, vale a pena ou não?
Como já dito acima, Vampyr é grande candidato a se tornar sua referência cultural no assunto mitologia de vampiros. O jogo encanta, pois te prende na narrativa com maestria, e a ambientação é muito bonita: o clima de perigo nas ruas, ressaltado pela solidão e silêncio de um herói (ou vilão) que só pode circular ao cair da noite contribuem para o constante clima de tensão. Existe também aquele frio na barriga de poder espiar de longe segredos dos cidadãos ou grupos de inimigos, dando um pequeno intervalo para pensar o que se deve fazer nos próximos segundos.
Tudo isso compensa muito as falhas de sequência ou de ação, fazendo de Vampyr um jogo memorável, deixando a sensação de “quero mais”. Sim, mesmo se você escolher fazer o caminho mais longo do game, conhecendo cada cidadão, ao final irá querer estar ainda mais envolvido na trama dos distritos e responsável pela manutenção da saúde de seus cidadãos. Camuflar-se como um cidadão comum enquanto é portador de grande poder sobre os outros te põe numa delicada posição de escolha moral entre ser herói ou vilão, um vampiro ou um médico, mas nunca expondo seus segredos obscuros à luz do Sol.