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Baseado no livro homônimo de A. J. Finn e com uma estreia que foi adiada em dois anos, o filme A Mulher na Janela é o novo suspense notável da Netflix. Com direção de Joe Wright, o filme é impecável (até a metade), eliminando qualquer impressão de plágio do clássico de Hitchcock “Janela Indiscreta” (uma vez que o enredo é parecido) por abraçar suas influências dos suspenses antigo e apresentar inúmeros easter eggs e técnicas já conhecidas pelos fãs do gênero, criando uma espécie de homenagem moderna ao gênero suspense clássico.
Anna Fox (interpretada pela brilhante Amy Adams, cuja atuação é ponto alto no filme) é uma psicóloga que vive uma vida completamente reclusa em sua casa. Isso se dá porque a personagem sofre de um distúrbio chamado agorafobia, basicamente uma fobia de locais abertos. O diretor Wright acerta em cheio ao criar o cenário propício para a manifestação da doença mental; o filme se passa quase completamente dentro da casa de Anna e tem enquadramentos fechados e cenários pouco iluminados, fortalecendo a impressão de reclusão da protagonista. Quando uma família aparentemente perfeita se muda para uma casa em frente à sua, Anna começa a observar acontecimentos misteriosos através de sua janela, até que vai estabelecendo contato com cada um dos integrantes daquele lar e descobrindo que guardam um terrível segredo.
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Anna não é exemplo, nem como médica, nem como paciente, e por consequência, coloca também em cheque o nível de confiança que podemos depositar em seus relatos sobre sua vida e seu ponto de vista sobre o drama que se desenrola. Digo isso porque a psicóloga extrapola os limites éticos de sua profissão ao se envolver demais com a família vizinha que supostamente corre risco, logo após não encontrar respostas satisfatórias à sua investigação particular sobre essas pessoas. E, enquanto paciente, Anna mistura deliberadamente medicamentos com álcool, o que faz com que seu tratamento seja prejudicado e que todos ao redor percam a confiança no seu testemunho e seus relatos caiam em descrédito.
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A história de Anna é contada em fragmentos, que acabam por prejudicar o desenrolar do filme no penúltimo ato. De início, somos informados que ela já foi casada e tem uma filha que não está sob sua guarda, mas não sabemos os motivos disso. Estes fragmentos são adicionados em diálogos confusos, com interlocutores abstratos, nos intervalos entre cenas; o mesmo acontece com pequenos flashes oníricos de cenas indecifráveis sempre antes da personagem acordar de sonhos intranquilos. A inserção desses flashes nos prepara para a fatal revelação posterior acerca do que os mesmos se tratam, onde os flashes irão aparecer dentro de contexto. Infelizmente, justamente a pausa de um diálogo carregado envolvendo cinco personagens para trazer um longo flashback que conta a história entre Anna, seu ex marido e sua filha (e que também revela um trauma que pode ter agravado a psicopatologia de Anna) é o ponto divisor de águas a partir do qual o filme perde totalmente seu ritmo e seu “charme” de um filme cheio de homenagens ao suspense e cinema clássico.
Ainda mais trágico é o último ato, onde o grande plot twist é apresentado. Um diálogo extremamente didático e longo se torna rapidamente cansativo fazendo com que desejemos que acabe logo para finalmente vermos os destinos dos personagens. Dessa forma, o filme trai de maneira infeliz tudo que havia construído até então, por optar por mastigar as revelações finais e entregar tudo minimamente (e exageradamente) explicado, entregando uma conclusão precipitada e que não contempla todos os personagens, além de pouco envolvente. Ignora os pontos altos e mais envolventes, no caso como Anna lida com sua fobia e como esta afeta sua vida diária; deixa de lado todo suspense psicológico e apela para a fórmula “caçador perseguindo a presa” (que, particularmente chamo de Tom e Jerry). Os outros personagens também recebem um tratamento muito aquém do merecido, uma vez tendo em conta o excelente elenco, que conta com Julianne Moore (talentosa, mas com pouquíssimo tempo de tela), Gary Oldamn, Wyatt Russel e Anthony Mackie (também com pouco tempo de tela). Com certeza cada um desses mereceria ter seu arco melhor desenvolvido, ajudando também a compreender melhor o contexto da vida de Anna e de suas circunstâncias psicológicas, e tirando a impressão de que a presença dos atores foram apenas participações especiais.
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Apesar de que nos últimos atos o filme tenha decaído, a qualidade do longa como um todo ainda é alta pela produção, edição e elenco. É alta se comparada, por exemplo, ao nível Netflix, que recentemente lançou o lamentável Fuja e o promoveu constantemente nas semanas posteriores. A Mulher na Janela é autêntico, utiliza-se de recursos clássicos (que são um presente para aqueles que pegarem as várias referências) para transmitir mensagens e reflexões modernas sobre isolamento, voyeurismo e saúde mental. Infelizmente, suas maiores falhas parecem ser produtos das refilmagens que atrasaram o lançamento do filme e, talvez, uma falta de tempo útil para concluir os arcos com qualidade. Até um pouco além da metade, o filme é muito coerente e poderia ter continuado assim até o momento de desfecho, mesmo que para isso esse desfecho houvesse de ser mais simples, menos pretensioso tentando misturar vários recursos para auxiliar uma narrativa que deveria ser melhor trabalhada desde o início. Não li o livro, portanto esta crítica ignora a fidelidade do longa à obra literária. Mas ainda assim, penso que o mesmo resultado poderia ter sido alcançado com qualidade muito superior por plantar as características certas durante toda a trama e colhendo os frutos no ato final, e não apenas oferecendo um final precipitado e superficial.