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Crítica: Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime – ★★★★☆ (2021)

Você pode até ter se esquecido dos fatos mais relevantes acerca do crime deste documentário, mas talvez se lembra de suas características mais sensacionalistas. Isso não é em si um problema, é claro que aquilo que mais choca marca mais nossa memória. Mas a possibilidade das narrativas tendenciosas, sensacionalistas e machistas influenciarem no julgamento de um crime é um questionamento que o documentário Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime traz, e talvez esse questionamento seja o aspecto mais relevante do documentário.

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Dirigido por Eliza Capai e distribuído pela Netflix, Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime resgata memórias de um crime que chocou o Brasil, relativo ao assassinato do milionário herdeiro do grupo Yoki Marcos Matsunaga pelas mãos de sua esposa Elize Matsunaga. A autora do crime tentou se livrar do cadáver em um local afastado após desmembrá-lo, dando ao crime requintes de crueldade. Elize foi julgada a mais de 19 anos de prisão.

O documentário suscita nos telespectadores as questões mais sensíveis relativas ao caso. A presença de Elize, cara a cara com o público sendo entrevistada, pode parecer um pouco chocante ao se pensar que aquela mulher já cometeu um assassinato. Mas ao decorrer da história, somos apresentados às outras faces de Elize, como a de mãe, esposa e até aquelas que também serviram para enfurecer seus juízes e fervilhar seu julgamento, como à de garota de programa e princesa da alta classe. 

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Todos esses pontos que o documentário trata, talvez encarados como “tocando em feridas” foram necessários para apresentar o lado subjetivo do julgamento que pode ter escapado ao julgamento; se não escapado ao julgamento das autoridades, talvez tenha escapado do julgamento popular e social, uma vez que o crime ganhou repercussão nacional. Na verdade, as reminiscências psicológicas de um crime e, por sua vez, da punição pelo crime, no psiquismo do apenado são esferas que escapam às autoridades e aos holofotes. 

No documentário, existe uma nítida tentativa de trazer à tona esses danos psicológicos sofridos por Elize. Alguns são inquestionáveis, supondo sua veracidade, como por exemplo, as ameaças que Marcos fez contra sua vida, uma vez que a esposa descobriu uma traição. Elize também sofre pelo afastamento e perda do poder parental da filha, motivo que ela aponta como motivo para o crime, o medo de perdê-la.

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Acompanhado de inteligentes metáforas como a pintura de Caravaggio onde São Tomé toca as chagas de Jesus e uma tensa versão de Fur Elise, de Beethoven, o documentário expõe como são frágeis os equipamentos e dispositivos nacionais de cuidados com apenados e como pode ser machista e tóxica nosso sistema de julgamento. Por algumas vezes, expressões e pensamentos machistas são disparados pelas principais figuras que compuseram o julgamento do caso. Essas expressões são, para além do mérito de julgamento moral de Elize, assustadoras.  Além disso, o documentário não tem novidades a adicionar sobre o caso, apenas um entendimento mais amplo sobre tantas vicissitudes subjetivas que a mídia não teve o trabalho de nos fazer conhecer.  

Essas falas são, inclusive, reproduzidas por personagens da nossa mídia, claramente sensacionalista. O papel da mídia ao exaltar aspectos que podem até ser relevantes, mas em uma tendência machista, também tem a ver sobre algumas mazelas sociais. Elize, em nenhum momento desmente suas confissões acerca do crime, mas sempre ocupa o papel de vítima dessas instituições. Nesse aspecto, o documentário irá dividir os espectadores entre aqueles que conseguem compreender de maneira mais plena tais aspectos e aqueles que não conseguem, ou não concordam.

Numa atualidade onde documentários e filmes sobre serial killers e anti-heróis são populares e alguns até mesmo atraentes para o grande público, ficar cara a cara com uma mulher assassina, expõe novas engrenagens do mecanismo de nosso fascínio pela crueldade humana. Abalar o clichê machista de que mulheres matam com veneno e por amor talvez seja o maior objetivo do documentário; você pode continuar acreditando nele após assistir, mas trazer aos holofotes esses aspectos pode ser algo muito relevante no momento atual e pode servir para um julgamento mais assertivo e justo.  

Sobre Emerson Dutra

Um psicólogo que tem o mundo nerd como seu guarda roupa para atravessar para uma Nárnia que é mais divertida, interessante e justa que nossa realidade compartilhada.

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