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Crítica: Precisamos Falar Sobre o Kevin – ★★★☆☆ (2011)

Muito se discute hoje se a maternidade seria condição natural latente em toda mulher, como um “dom natural”, ou se ser mulher não significa necessariamente uma inclinação para a maternidade. Tais discussões envolvem infinitos aspectos, como biológicos, psicológicos e sociais. Apesar de tais discussões, é difícil encontrar obras onde são retratadas mães que encontram inabilidades na árdua tarefa de criar um filho. Isso quando não são apenas abordadas quando essa missão fracassa e resulta, somadas a uma infinidade de aspectos, em distúrbios psicológicos, doenças mentais, atos infracionais, etc, numa tentativa de encontrar os responsáveis por este resultado. 

Dirigido pela diretora Lynne Ramsay, o longa Precisamos Falar Sobre o Kevin, de 2011, um suspense psicológico baseado no livro homônimo de Lionel Shriver. A trama aborda um infeliz fenômeno típico de nossos tempos que são chacinas praticadas por adolescentes em ambientes abertos como escolas ou cinemas. A grande sacada do roteiro é abordar o problema pelo ponto de vista da mãe de um desses adolescentes criminosos, ainda que escorregue na inclinação de culpabilizar a mãe por esse triste resultado. 

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Eva, interpretada pela magnífica Tilda Swinton, é uma mãe que vive em extremos de estados psicológicos da alegria de ser mãe e um outro extremo de se libertar das pesadas responsabilidades trazidas pelos filhos. Desde o início do longa, a diretora parece nos preparar para alguma tragédia iminente através das cores vermelho vivo e de longos momentos de intensa tensão psicológica. Os sentimentos ambivalentes de Eva para com seu filho Kevin, interpretado por Ezra Miller, que também tem grande mérito pela interpretação do adolescente problemático, parecem também estigmatizar a mãe, que parece passar todo o longo sob um pesado jugo invisível e constante.

O longa poderia caprichar mais ao imprimir mais subjetividade em seus arcos, mas parece que a discussão foi mais fechada do que aberta. Principalmente dentro de uma temática tão delicada, os aspectos psicológicos que levam um adolescente a cometer crimes não são fechados e previsíveis. Em muitas cenas do longa, podemos facilmente cometer o erro de culpabilizar a mãe pelos excessos e faltas na criação do filho, e a sequência disso que podemos facilmente apontar como causas para seu crime. A sensação de uma mãe “displicente” é acentuada por cenas de flashbacks com cortes que separam a mãe do filho, ou onde ela parece tentar amortecer seus sentidos para não entrar em contato com aquela realidade. As sequências também nos transmitem uma sensação de causa e efeito errônea, uma vez que a investigação psicológica de algum transtorno ou crime não tem apenas uma causa em específico, e sim são problemas multicausais. 

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Ao mesmo tempo, em diversas cenas do longa, vemos que a relação entre mãe e filho têm uma natureza extremamente profunda, da qual apenas um pode ser o objeto do outro, seja um objeto de amor ou ódio. O problema é que pensar que podemos odiar também aqueles que amamos é um tabu e, portanto, acaba se tornando um problema difícil de ser abordado. Um sentimento não anula o outro e o diálogo ainda é a melhor via para se aprender a lidar com ambos, sem a necessidade de sacrificar uma das duas posições, e sim, saber ocupá-la de maneira saudável. 

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Dessa forma, o próprio título do filme nos indica qual seria o melhor caminho a se tomar. Precisamos falar sobre, abrir as discussões e sair das tendências de buscarmos respostas fechadas. Isso deveria acontecer desde os aspectos mais banais até os mais graves. Se uma mulher se sente incomodada com a tarefa de maternagem que lhe cabe, uma via satisfatória para tratar desse problema é um diálogo com profissionais competentes. O diálogo pode servir bem para conhecer a realidade psicológica interna dos filhos, por mais desafiadora que a tarefa pareça ser. Quando ocorrências notáveis acontecem, como chacinas praticadas por adolescentes em escolas, sentimos a tristeza e a responsabilidade de maneira coletiva enquanto sociedade, mas infelizmente as pontes para diálogo são muito frágeis, e a maneira mais fácil e paliativa de se lidar com problemas é eleger bodes expiatórios que devem ser combatidos em busca de eliminar a raiz do problema. Que filmes como esse possam nos fazer repensar o papel que ocupamos para membros de nossa família e também nossa responsabilidade em naturalizar práticas que de fato irão combater violência e outros danos.

Sobre Emerson Dutra

Um psicólogo que tem o mundo nerd como seu guarda roupa para atravessar para uma Nárnia que é mais divertida, interessante e justa que nossa realidade compartilhada.

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