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Crítica: Raised by Wolves – 1ª Temporada – ★★★★★ (2020)

(Reprodução)

A humanidade entra em colapso, uma guerra de religiosos conhecidos como Mitráicos, contra Ateus. Cada grupo com uma crença distinta de como reerguer a raça humana. A terra se torna inviável para a existência devido a guerra avassaladora, obrigando os humanos a seguirem para a colonização espacial. Dois andróides recebem a árdua e ingrata tarefa de criar uma pequena colônia de humanos a fim de resgatar o melhor da humanidade, ao mesmo tempo que devem enfrentar os perigos de um planeta desconhecido e dos Mitráicos, que também chegam no planeta com a mesma intenção de colonização. Acredito que isso resume a trama desta genial série de ficção científica original da HBO Max, Raised by Wolves, criada por Aaron Guzikowski, e que também contou com a direção de Ridley Scott nos dois primeiros episódios, e mais tarde colaborando como produtor executivo. O gênero da ficção foi agraciado com uma das produções mais brilhantes e visionárias já realizada, com discussões extremamente pontuais e necessárias, apontando caminhos e também as diversas falhas que nós cometemos enquanto sociedade. A série discute crenças religiosas e também a construção de uma sociedade plena de forma incrível, com diálogos maravilhosos e impactantes, nada é desperdiçado, tudo é essencial.

A trama é complexa e muito imersiva, atingindo em cheio os amantes de uma ficção científica que não apenas vaga em referências aos clássicos, mas que constrói uma narrativa própria e original, tão impactante a ponto de nos fazer refletir de fato nas questões que a série levanta. Na história acompanhamos a chegada de dois andróides ao planeta Kepler-22b com a missão de administrar uma pequena colônia de humanos e ajudá-los a se desenvolver para a cosntrução de uma nova e ideal sociedade. Os andróides são nomeados, de forma brilhante, de Pai e Mãe, cada qual exercendo uma função implicita no desenvolvimento desses humanos. A medida que as crianças crescem e começam a interpretar os acontecimetnos ao seu redor, diversas questões começam a ser levantadas, questões que remetem a natureza humana e as dificuldades de se estabelecer uma crença ateísta da realidade. Os andróides não possuem crença religiosa, pelo contrário, são programados para desestimular esse tipo de comportamento, fazendo reflexões filosóficas para defender a auto-suficiência humana ao invés de uma crença cega. Com o passar do tempo, eles percebem que esta tarefa se mostra muito mais complicada do que aparenta e começam a perceber que a crença em algo além é praticamente intrínseco na natureza humana, principalmente quando expostos a morte de entes queridos, fazendo-os crer que deve haver um motivo ou significado para tudo que acontece a sua volta. Com a chegada dos Mitráicos no planeta, tudo muda, tornando a tarefa ainda mais árdua. Os diálogos da série carregam um enorme peso filosófico, a começar pelo próprio título da série, que nos remete ao pensamento de Thomas Hobbes, que utiliza a definição de que o “homem é o lobo do homem” para explicar a natureza perversa da humanidade. Não é uma série fácil de digerir, a trama é lenta, principalmente devido ao alto peso de sua narrativa simbólica, mas tudo ocorre de forma incrivelmente orgânica, expondo características muito essencias para nos ajudar a nos compreender como uma sociedade e qual o nosso papel em tudo isso.

Com uma trama sensacional como essa, é praticamente impossível que os personagens fossem desenvolvidos de forma medíocre, como ocorre em diversas produções do gênero. As atuações estão incríveis, com um destaque para a criança chamada Campion, interpretado por Winta McGrath, que herdou o nome do cientista ateu que enviou os andróides para o planeta. A crinaça possui um simbolismo muito forte, levantando questionamentos magníficos que nos fazem refletir se a nossa natureza é de fato perversa ou a construção da sociedade que nos impele a essa perversão do comportamento. Os andróides também são interpretados de forma brilhante, conseguindo passar a sensação muito verídica de que são de fato robôs sem emoções. Amanda Collin está fenomenal como Mãe, a atriz dá tudo de si no papel e o resultado é fantástico. A atriz passa uma autenticidade em todo o seu comportamento e nos brinda como uma das interpretações mais incríveis e autênticas já vista em produções do gênero. O personagem Pai de Abubakar Salim também está impecável, cada um exercendo de forma irretocável as suas funções para o desenvolvimento das crianças. Pai possui um certo senso de humor muito legítimo, que ajuda a tirar o peso das situações difíceis que a colônia passa, ao tempo que Mãe tem uma relação muito mais humana com as crianças, algo estranhamente incomum para andróides, mas esse é um mistério que você tem de descobrir por si só. Os personagens que são introduzidos mais tarde com a chegada dos Mitráicos também são muito importantes para o desenvolvimento da série e a atuação deles é algo que eleva o nível desta produção ainda mais. Cada diálogo é vital para a construção do objetivo final da temporada, que é deveras fascinante e me surpreendeu de forma extremamente positiva.

Uma característica muito importante, e também muito cobrada pelo público da ficção científica é o aspecto visual, sendo esse quase que o principal foco de muitas produções. Em Raised by Wolves a construção do ambiente é espetacular, desde o presente no planeta Kepler-22b, até os flashbacks da terra, tudo feito com extremo zelo e capricho, mesmo com uma qualidade gráfica não tão potente, como produções com maiores investimentos. Os momentos que interagimos com cenas fantásticas são muito bem produzidos, impressionando pela elevada capacidade criativa da produção, que aposta em ideias uma tanto quanto inovadoras para dar seguimento a sua proposta. A fotografia da série é imersiva, sendo capaz de passar a sensação necessária para cada cena que se segue na sequência. Os efeitos das naves é também algo notável, não apenas pela qualidade, mas também pela originalidade aplicada. A trilha sonora também contribui para uma maior imersão com todos os acontecimentos.

Raised by Wolves é, sem dúvida, uma das obras de ficção científica mais visionárias já criada, que promete muito com sua trama original, ainda mais após um final esplêndido da primeira temporada, que deixou um gancho mais do que intrigante para a próxima parte. Como fã do gênero, me sinto completamente satisfeito com o resultado desta primeira temporada, que foi capaz de abordar temas muito pertinentes de natureza filosófica e essencial para futuras reflexões acerca de nossa própria humanidade. A série é, sem dúvida, uma pérola. Se você se intriga com reflexões sobre a natureza humana, com certeza irá tirar algo de positivo em Raised by Wolves, que podem contribuir para sua forma de enxergar toda a realidade na qual vivemos. Raised by Wolves é uma série original HBO Max e está disponível na plataforma  com 10 episódios de 42 a 55 minutos. A segunda temporada está a caminho da plataforma.

https://www.youtube.com/watch?v=rE92bDAlPXI

Sobre Carlos Valim

Apaixonado por cultura pop. Aprendendo a escrever críticas menos emocionadas. Professor de História e fundador do GS.

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